Category: No. 0212

  • 0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Tatiana Faia

    0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Tatiana Faia

    Literatura contemporánea de Portugal / No. 212

    primeiro poema de berlim

    para a Francisca Camelo

    na solidão dos claustros em kreuzberg
    um santo carrega ao alto e sem segredo
    a sua cruz envolto pela noite
    não tem outra cor que não o branco
    a sua veste mas eu queria que fosse
    azul escuro e orlado de estrelas
    com qualquer coisa

    de solene, selvagem, agreste
    a sua sagração é incompleta
    marítima, ululante
    ele como nós falhou em juntar-se aos normandos
    revelar-se solitariamente crente
    e assim consolado por um sossego de pedra
    guardam-no agora nós e esta máquina fotográfica
    pequenos animais noctívagos
    a memória distante de martírios
    em glória febril e efémera
    que também a ele não o consolam
    e uma absurda calma
    uma estoica e autoritária indiferença
    contra os bêbados que às vezes cortam
    pelas vedações do jardim
    contra os turistas que param
    para a ocasional fotografia
    triunfa também sobre algo em nós
    mas não sabemos o quê
    e este santo que não tem sinapses
    também não nos saberia dizer

    e eu quero que ele cante
    e que nos conte todos os seus segredos
    se algo o moveu tanto quanto nos comovem
    amigos que nos esperem pela calada da noite
    pelas horas cedo da manhã em todas as cidades distantes

    nesta noite no entanto duas solitárias raparigas
    fazem em linha recta a distância entre isto
    e checkpoint charlie
    o santo talvez pregue
    tanto o sugere a cruz ao alto
    a outra mão erguida com um polegar ligeiramente curvado
    talvez o que ele diga pegue
    a este quanto de ser muito tarde e estarmos sóbrias
    como os santos nos seus momentos de pedra
    que não foram feitos para arcar
    com toda esta perda que nos rodeia
    ainda que não seja ainda esta, francisca, a conversa
    que vai descambar para a minha absurda necessidade
    de mais estátuas de santas em êxtase
    mais estátuas de santos a divertirem-se
    em todas as alamedas de todos os jardins
    de todos os claustros do mundo

    a atenção de uma promessa também é isto
    este momento dado por uma amiga
    um tempo fora do seu rigor
    na abertura de uma primavera
    que carrega nela a cicatriz de um longo inverno
    uma abertura voraz e em vermelho
    de frutos que hão-de brotar inteiros e doces
    e também nós não querermos
    acreditar num deus que não dance
    num deus que não aceite o nosso sangue
    a sua velocidade quente
    os seus jogos de inquietude e retrocesso
    tão pronto para pequenas absurdas conquistas
    um deus que não se sente para uma conversa connosco
    é o que não poderíamos aturar

    porque também nos momentos de pausa
    o ardor do mundo arca com o seu próprio peso
    abre-se no seu fogo contra a contracção
    de um punho que se fecha sobre os nossos úteros
    os nossos braços os nossos olhos
    a nossa alegria que ninguém poderá quebrar

    que ninguém poderá quebrar
    mas penso que o ardor do mundo
    conta até o tempo
    de quanto durou esta pausa
    tão inclemente que saberá até
    quanto tempo levou até o açúcar
    de sucessivas barras de chocolate
    ter redundado em sugar rush

    mas descola-se e vai cair

    já está na luz inscrita no corpo do santo
    na ausência prometida pelos delicados detalhes
    do seu brocado de mártir
    repara como até ele
    para ficar tão iluminado
    tem de ser assim vivo, pedestre, pagão
    capaz de uma caminhada em linha recta
    luz vinda de baixo para cima e assim aceite

    Berlim, 25 de Maio de 2018
    Oxford, 28 de Maio de 2018

    primer poema de berlín

    para Francisca Camelo

    en la soledad de los claustros de kreuzberg
    un santo carga en lo alto y sin secretos
    su cruz envuelto por la noche
    no tiene otro color sino el blanco
    su vestido pero yo quería que fuera
    azul oscuro y bordado de estrellas
    con un aire
    de solemne, salvaje, agreste

    su consagración es incompleta
    marítima, ululante
    como nosotros él falló al unirse a los normandos
    revelarse solitariamente creyente
    y así consolado por un sosiego de piedra
    lo guardan ahora nosotros y esta cámara
    pequeños animales noctámbulos
    la memoria distante de martirios
    en gloria febril y efímera
    que a él tampoco lo consuelan
    y una absurda calma
    una estoica y autoritaria indiferencia
    contra los borrachos que a veces cortan
    por las cercas del jardín
    contra los turistas detenidos
    para la ocasional fotografía
    triunfa también algo en nosotros
    pero no sabemos qué
    y este santo que no tiene sinapsis
    tampoco nos sabría decir

    y quiero que él cante
    y que nos cuente todos sus secretos
    si algo lo tocó tanto como nos conmueven
    los amigos que nos esperan a altas horas de la noche
    o en las horas de madrugada en todas las ciudades distantes

    esta noche sin embargo dos solitarias muchachas
    recorren en línea recta la distancia entre esto
    y checkpoint charlie
    el santo tal vez pregone
    como sugiere la cruz en lo alto
    la otra mano erguida con un pulgar ligeramente curvado
    tal vez lo que él diga haga efecto
    en este ser tarde y estar todavía sobrias
    como los santos en sus momentos de piedra
    que no fueron hechos para soportar
    toda esta ruina que nos rodea
    aunque no sea aún esta, francisca, la conversación
    que va a tropezar con mi absurda necesidad
    de más estatuas de santas en éxtasis
    más estatuas de santos que se divierten
    en todas las alamedas de todos los jardines
    de todos los claustros del mundo

    la atención a una promesa también es esto
    este momento dado por una amiga
    un tiempo fuera de su rigor
    en el inicio de una primavera
    que carga con ella la cicatriz de un largo invierno
    un inicio voraz y en color rojo
    de frutos que brotarán enteros y dulces
    porque tampoco queremos
    creer en un dios que no baile
    en un dios que no acepte nuestra sangre
    y su velocidad caliente
    sus juegos de inquietud y retroceso
    ávido de pequeñas absurdas conquistas
    un dios que no se siente a conversar con nosotros
    es lo que no podríamos soportar

    porque también en los momentos de pausa
    el ardor del mundo carga su propio peso
    se abre en su fuego contra la contracción
    de un puño que se cierra sobre nuestros úteros
    nuestros brazos nuestros ojos
    nuestra alegría que nadie podrá romper

    que nadie podrá romper
    pero pienso que el ardor del mundo
    cuenta hasta el tiempo
    de cuánto duró esta pausa
    tan inclemente que sabrá hasta
    cuánto tiempo le llevó al azúcar
    de sucesivas barras de chocolate
    haber redundado en sugar rush

    pero se desprende y cae

    ya está en la luz inscrita en el cuerpo del santo
    en la ausencia prometida por delicados detalles
    de su brocado de mártir
    mira cómo incluso él
    para estar tan iluminado
    tiene que ser vivo, pedestre, pagano
    capaz de una caminata en línea recta
    luz que viene de abajo hacia arriba y así se acepta

     
    Berlín, 25 de mayo de 2018
    Oxford, 28 de mayo de 2018

    flores caras

    —Even losing you (the joking voice, a gesture
    I love) I shan’t have lied. It’s evident
    the art of losing’s not too hard to master
    though it may look like (Write it!) like disaster.
    Elizabeth Bishop, “One Art”,
    The Complete Poems (1926-1979)

    It’s true, these last few years I’ve lived
    watching myself in the act of loss—the art of losing
    Elizabeth Bishop called it, but for me no art
    only badly done exercises
    acts of the heart forced to question
    its presumptions in this world
    Adrienne Rich, Contradictions: Tracking Poems, “16”,
    Your Native Land, Your Life (1986)1

    enquanto aí estiveste

    havia uma bússola na mesa onde ela escrevia
    gente que falava uma língua que ela não entendia
    à volta dela
    e uma mulher brusca e naquele tempo
    ainda incapaz de tristeza
    que lhe tentou talvez mostrar como seria viver
    sem dúvidas e sem incertezas
    sem a sintonia com a escuridão
    que é requerida dos poetas

    nas estradas interiores de pequenas cidades
    em nova inglaterra ou nova iorque
    a chuva cai a cântaros e sem trégua
    sobre os gatos vadios e sobre os porsche
    e ela com a vista que falha entretém-se
    a queimar os atacadores de umas velhas sapatilhas
    mas estes são os olhos que de noite
    viram as luzes altas nos parques
    e as samambaias e os pequenos barcos
    nos lagos artificiais e sonharam
    com central park e com o rio de janeiro
    as mãos são as mesmas que em algumas tardes
    fizeram gestos para reclamar sobre o preço das flores
    são aquelas cujos dedos penetraram
    o interior dessa mulher brusca de cabelo negro
    o seu próprio interior muitas vezes depois
    por desejo, alegria, raiva, decepção
    e de novo porque a vida se renova em bátegas
    mesmo em redor das cicatrizes mais fundas
    um desejo ferido transplantado com o seu ardor
    e a sua memória para casas incertas
    de janelas altas onde esperar o último clarão
    de uma última forma de ausência

    e são estes mesmos os dedos que agora se ocupam
    em redor do atacador e de uma espera pelo nada
    que escreveram um verso despretensioso
    apolítico o supremo verso de uma esteta apaixonada
    sobre uma confluência de estrelas cadentes
    no teu cabelo negro uma coroação de prata
    precedida pelos círculos concêntricos
    de coisas que antes disso explodem
    comentadores destes versos
    talvez possam ter negado a possibilidade
    que houvesse neles qualquer coisa de erótico
    mas se é verdade que se os homens pensam
    que o fim do desejo chega
    como uma explosão isso é assumir que é para nós
    o mesmo que é para eles
    apontemos que antes uma lenta deflagração
    a que se sucedem violentas ondas que se contraem
    e expandem num padrão imprevisível

    a sua mente divaga agora
    erra insegura em redor de uma memória
    de anémonas e outras flores marinhas
    pode ser que algures alguém
    em algum ponto queira continuar a comentar
    olha como eu aqui e agora
    o que é o desejo como ele toma conta
    do corpo das mulheres
    pode até ser que uma arte de perder
    não seja difícil de dominar

    mas só no sentido em que a arte que há nos outros
    digamos a sua sabedoria de arquitectos
    uma vontade persistente e constante
    como o desejo que chega como um mensageiro
    antes do amor e continua a voltar mesmo quando este parte
    (cada vez mais mutilado mas talvez não menos belo
    do que certas estátuas que nos chegaram da antiguidade)
    a sua habilidade para absorver o impacto
    do embate com a nossa mais profunda melancolia
    de uma tristeza crónica e sem remédio
    só no sentido em que só a arte e o amor que há nos outros
    nos pode ajudar a decifrar o vasto continente
    que jaz adormecido no escuro
    e é a besta solene e capaz de vida das nossas próprias vidas

    flores caras

    —Even losing you (the joking voice, a gesture
    I love) I shan’t have lied. It’s evident
    the art of losing’s not too hard to master
    though it may look like (Write it!) like disaster.
    Elizabeth Bishop, “One Art”,
    The Complete Poems (1926-1979)

    It’s true, these last few years I’ve lived
    watching myself in the act of loss—the art of losing
    Elizabeth Bishop called it, but for me no art
    only badly done exercises
    acts of the heart forced to question
    its presumptions in this world
    Adrienne Rich, Contradictions: Tracking Poems, “16”,
    Your Native Land, Your Life (1986)1

    mientras ahí estuviste

    había una brújula en la mesa donde ella escribía
    gente que hablaba una lengua que ella no entendía
    a su alrededor
    y una mujer brusca y en ese entonces
    aún incapaz de tristeza
    que intentó tal vez mostrar cómo sería vivir
    sin dudas y sin incertidumbres
    sin la sintonía con la oscuridad
    que necesitan los poetas

    en los caminos interiores de pequeñas ciudades
    en nueva inglaterra o nueva york
    la lluvia cae a cántaros y sin tregua
    sobre los gatos sin casa y sobre los porsche
    y ella con la vista que falla se entretiene
    quemando las agujetas de unos tenis viejos
    pero éstos son los ojos que de noche
    vieron las luces altas de parques
    y los helechos y pequeños barcos
    en los lagos artificiales y soñaron
    con central park y con río de janeiro
    las manos son las mismas que algunas tardes
    hicieron gestos para reclamar por el precio de las flores
    son aquellas cuyos dedos penetraron
    al interior de esa mujer brusca de cabello negro
    y su propio interior muchas veces después
    por deseo, alegría, rabia, decepción
    y de nuevo porque la vida se renueva en bateas
    incluso alrededor de las cicatrices más hondas
    un deseo herido trasplantado con su ardor
    y su memoria para casas inciertas
    de ventanas altas donde se espera el último destello
    de una última forma de ausencia

    y son estos mismos los dedos que ahora se ocupan
    en las agujetas y en una espera por la nada
    que escribieron un verso sin pretensiones
    apolítico el supremo verso de una esteta enamorada
    sobre una confluencia de estrellas fugaces
    en tu cabello negro una corona de plata
    precedida por los círculos concéntricos
    de cosas que antes de eso explotan

    comentadores de estos versos
    tal vez puedan haber negado la posibilidad
    de que hubiera en ellos algo de erótico
    pero si es verdad que si los hombres piensan
    que el fin del deseo llega
    como una explosión eso es asumir que para nosotros
    es lo mismo que para ellos
    señalemos que antes una lenta deflagración
    a la que suceden violentas ondas que se contraen
    y expanden en un patrón imprevisible

    su mente divaga ahora
    erra insegura alrededor de una memoria
    de anémonas y otras flores marinas
    puede ser que en algún lugar alguien
    en algún punto quiera seguir comentando
    mira como yo aquí y ahora
    lo que es el deseo y cómo se apodera
    del cuerpo de las mujeres
    hasta puede ser que el arte de perder
    no sea difícil de dominar

    pero sólo en el sentido en que el arte que hay en otros
    digamos su sabiduría de arquitectos
    una voluntad persistente y constante
    como el deseo que llega como un mensajero
    antes del amor y continúa volviendo aunque éste parta
    (cada vez más mutilado y tal vez no menos bello
    que ciertas estatuas que nos llegaron de la antigüedad)
    su habilidad para absorber el impacto
    del embate con nuestra más profunda melancolía
    de una tristeza crónica y sin remedio
    sólo en el sentido en que sólo el arte y amor que hay en otros
    nos puede ayudar a descifrar el vasto continente
    que yace dormido en la oscuridad
    y es la bestia solemne y capaz de vida de nuestras propias vidas

    1 Quando Adrienne Rich publicou The Fact of a Doorframe: Selected Poems 1950-2001, este poema foi excluído dessa selecção.

    1 Cuando Adrienne Rich publicó The Fact of a Doorframe: Selected Poems 1950-2001, este poema quedó fuera de esa selección.


    Tatiana Faia (Lisboa, 1986). Doctora en Literatura Griega Antigua por la Universidad de Lisboa. Con José Pedro Moreira y André Simões editó la revista Ítaca: Cadernos de Ideias, Textos & Imagens (2009-2011). Actualmente es editora, con João Coles, José Pedro Moreira, Paulo Rodrigues Ferreira y Victor Gonçalves, de Enfermaria 6. Es autora del libro de cuentos São Luís dos Portugueses em chamas (Enfermaria 6, 2016) y de los libros de poemas Lugano (Artefacto, 2011), Teatro de rua (Artefacto, 2013) y Um quarto em Atenas (Tinta da China, 2018). Sus cuentos, ensayos, poemas y traducciones se han publicado en A Sul de Nenhum Norte, Ítaca, Caderno: Enfermaria 6, Modo de Usar & Co. y Colóquio/Letras e Relâmpago. Vive y trabaja en Estados Unidos.

  • 0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Diogo Vaz Pinto

    0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Diogo Vaz Pinto

    Literatura contemporánea de Portugal / No. 212

    1.

    Quem disse as melhores coisas sobre mim foram os meus inimigos
    VICENTE HUIDOBRO

    Que seja verdade tudo o que dizem… em algum momento e a ponto de tremer de vergonha, ao mesmo tempo fascinado, mirando essas ficções — um reflexo apurando o gosto ao lume do ódio. Já não podemos transformar-nos em animais como dantes, mas em bestas sem nome talvez, anunciados por uma trepidação que chegue de outras terras, e o que mais se dizia dos lugares inexplorados, antes de qualquer decalque dos cartógrafos, ambientes em que os marinheiros sentiam as entranhas gemer supondo que aí pudessem ver-se dragões. Eis toda a magia que nos resta: como os inimigos se rezam uns aos outros — dores misturadas, rogando-se um acto de absoluta vileza, a roçar o indescritível, nesse li-mite contra o qual nos abatemos. Depois da conquista dos pólos, faz mais de um século, pelos mais geniais e desonestos suicidas, hoje, com a extinção em curso do que nos aterrorizou no escuro durante milénios, só no terreno da inimizade resta margem para riscar a superfície das lendas. Entre estas gerações definhando antes que tenha início o assalto ao cosmos, olhamos os céus nocturnos e essa vertigem como quem escava em vão a terra, resignados com os cacos de antigas civilizações, um astro fóssil que ao invés de iluminar nos cega… Mas o que temos para expedição onde ensaiar um estilo? O zumbido dos canos atrás da pa rede desta época só nos sufoca, temos ratos neste pardieiro, superfícies mofadas, barulhos inexplicáveis; o tempo passa por uma assombração, a decadência consome-nos, em vez de uma candeia deve andar-se pelos corredores de faca na mão, a chamar como a um gato, aqui bicho, anda que te fodo; tresvariados da cabeça, a milénios de distância das presas mais notáveis, essas de tão fabuloso porte que as sonhamos em fascículos, ao longo de uma série de noites. Vamos cercá-las nalgum museu, a voz abafada do guia a trautear qualquer coisa sobre a préhistória, a apreciar a perícia do taxidermista que falsificou esse assombro, tacteando no escuro das suas suposições, cosendo as partes de animais da mesma família, dá-nos essa montagem de uma coisa que ainda há pouco estava viva. Fora isso, é a mesma humilhação diária dos nossos instintos em toda a parte pela afamada era da técnica. Temos ainda no vocabulário as marcas de uma terrível refrega, os traumas mais fundos na gramática, um resíduo mágico que pelas palavras nos liga ao prazer de se estar algumas posições abaixo na cadeia alimentar, e, se os versos parecem armas toscas, mantêm a fiabilidade do que poderemos sempre retomar: uma perícia essencial que separava quem viveria, quem fala por frases verdadeiras, ainda que caminhe alucinado, com o ar demencial que toma um arcanjo quando se avizinha de um bairro terrestre. A arrancar a pele do que se diz para que o sentido dê alguns passos por nós, os mais difíceis. Temos noites para essas coisas: estrangular os débeis que só fazem número e atrasam toda a geração, mantendo debaixo de olho as nossas imperfeições, com a ajuda desses formidáveis inimigos que se querem por perto. Tiro o rosto do caminho, procuro dividir-me em sete dias como ensinam os mais velhos, vigiando os avanços da catástrofe enquanto cronista meliante destes estados gerais da javardeira, e, nisto, tiro o pulso a todos esses sonhos de merda, com gente a mais, ponho um espelho frente à fraca respiração da musa, doente, arrastada, exposta como uma triste aberração de feira. Os pássaros cantando pior do que em qualquer outro período da história, ela a tossir e eles a caírem-lhe mortos à cabeceira.

    1.

    Las mejores cosas sobre mí las han dicho mis enemigos.
    VICENTE HUIDOBRO

    Que sea verdad todo lo que dicen… en algún momento y a punto de temblar de vergüenza, al mismo tiempo fascinado, mirando esas ficciones —un reflejo apura el sabor al calor del odio. Ya no podemos transformarnos en animales como antes, sino en bestias sin nombre tal vez, anunciados por una trepidación que llegue de otras tierras, y lo que más se decía de los lugares no explorados, antes que cualquier calco de los cartógrafos, ambientes en que los marineros sentían gemir sus entrañas suponiendo que ahí podrían verse dragones. Ésa es toda la magia que nos queda: como los enemigos se rezan unos a otros —dolores mezclados, rogando por un acto de absoluta vileza, rozando lo indescriptible, en ese límite contra el cual nos abatimos. Después de la conquista de los polos, hace más de un siglo, por los más geniales y deshonestos suicidas, hoy, con la extinción en curso de lo que nos aterrorizó en la oscuridad durante milenios, sólo en el terreno de la enemistad queda margen para tachar la superficie de las leyendas. Entre estas generaciones consumiéndose antes de que inicie el asalto al cosmos, miramos los cielos nocturnos y ese vértigo como de quien escarba en vano la tierra, resignados con los fragmentos de antiguas civilizaciones, un astro fósil que en vez de iluminar nos ciega… ¿Y lo que tenemos para la expedición basta para ensayar un estilo? El sonido de la tubería atrás de la pared de esta época sólo nos sofoca, tenemos ratones en esta pocilga, superficies enmohecidas, ruidos inexplicables; el tiempo es como una aparición, la decadencia nos consume, en vez de una vela se debe caminar por los corredores con un cuchillo en la mano, llamando como se llama a un gato, aquí, ven o te chingo; delirando en su cabeza, a milenios de distancia de las presas más notables, esas de tan fabuloso tamaño que las soñamos en fascículos durante una serie de noches. Vamos a rodearlas en algún museo, la voz ahogada del guía tarareando algo sobre la prehistoria, apreciando la pericia del taxidermista que falsificó ese portento, a tientas en la oscuridad de sus suposiciones, cosiendo las partes de animales de la misma familia, nos da ese ensamblaje de algo que hace poco estaba vivo. Aparte de eso, es la misma humillación diaria de nuestros instintos en todas partes por la famosa era de la técnica. Tenemos aún en el vocabulario las marcas de una terrible refriega, los traumas más hondos en la gramática, un residuo mágico que por medio de las palabras nos vincula al placer de estar algunas posiciones abajo en la cadena alimenticia, y, si los versos parecen armas burdas, mantienen la fiabilidad de lo que podremos siempre retomar: una pericia esencial que determinaba quién viviría, quién habla con frases verdaderas, aunque camine alucinado, con el aire demencial que adquiere un arcángel cuando se acerca a un barrio terrestre. Arrancando la piel de lo que se dice para que el sentido dé algunos pasos por nosotros, los más difíciles. Tenemos noches para esas cosas: estrangular a los débiles que sólo están ahí para aumentar el número y atrasan a toda la generación, manteniendo bajo sus ojos nuestras imperfecciones, con la ayuda de esos formidables enemigos que se quieren cerca. Quito el rostro del camino, intento separarme en siete días como nos enseñaron los más viejos, vigilando los avances de la catástrofe como cronista maleante de estos estados generales de la suciedad, y, en esto, les tomo el pulso a todos esos sueños de mierda, con gente de más, pongo un espejo frente a la débil respiración de la musa, enferma, arrastrada, expuesta como un triste fenómeno de feria. Los pájaros can-tan peor que en cualquier otro periodo de la historia, ella to sien do y ellos cayendo muertos en su cabecera.

    2.

    Um tiro que vem lá de um canto da cabeça
    como um animal atravessando
    o perfume da presa, trazendo-lhe a morte
    doce, inteira e negra,
    anunciada desde os primeiros passos.
    O difícil é negar-se a uma coisa dessas.

    Nos recantos esbatidos da história
    saboreamos venenos,
    atraiçoando o sangue até que os nomes
    nos firam de rompante. Até lá vão abrindo
    pequenos cortes, arrastados.
    Mas depois há a luz para que se corre
    como se faltasse o ar. O terror, afinal,
    é um modo de dar-se. Lâmpada balouçando
    para que nos veja de tantos mais lados
    o escuro.

    Ao chão eu fui tarde demais e
    soube-me como uma brisa, mas hoje
    cuspo um sangue velho
    do murro que me vem, fende-me o lábio
    mete-ma dentro, esta cara que já mal
    reconheço. Um gosto amargo, admirável
    refaz-me a boca cada noite,
    e negro floresce arterial
    como vibram as lesões cantando vida fora.
    Cada dor que me esquece, refaço-a.
    Espremo os pobres materiais à minha volta,
    e a idade passa-me a limpo o susto.

    Uma água na cabeça, subindo calmamente
    como o caçador ao apanhar-lhe o rastro.
    Oiço como a distância só alimenta o grito,
    e estende os seus passos sufocando o próprio eco,
    num ritmo dissoluto: vem, vadio, soprando
    a demência ao ouvido de cada coisa.

    Quando a língua deixa de ser de carne
    há um vento que só as sombras move,
    o resto deixa petrificado.
    De flores já mortas desata o perfume
    e eu venho respirá-lo por que lado?
    A que cabeça me chegam as imagens,
    a frase tremida que o espelha?

    Silêncio infuso da comichão dos astros,
    desde essa torre obscura e desordenada
    tomo o pulso das estrelas carentes,
    as extintas apurando os seus lances finais,
    decomposições lentas escoando milénios.
    Como canções vagarosas, como
    frutos rachados de odor inquietante,
    como tudo o que o sol disputa
    aos bichos. Terrenamente,
    com estes poucos sentidos, espreito
    os modos em que tudo se desfaz,
    o olhar cheio dessa gente que faz lembrar
    nos caminhos os afogados.
    Do que parto com estas mãos, do mal
    que lhes reconheço, deste frágil
    talento para os desastres,
    nem me arrependo, pois mato para abrir
    e admirar. Talvez seja um pouco tarde.
    Para eles. Não para mim.
    E o que os pássaros me roubam, por aí
    vou sabendo quanto do erro tocou o fundo.
    Comem a beleza, eles, eu recolho
    ossos vivos. Tacho e lume, a sopa
    que sirvo aos meus fantasmas.

    2.

    Un tiro que viene de un rincón de la cabeza
    como un animal atravesando
    el perfume de la presa, trayéndole la muerte
    dulce, entera y negra,
    anunciada desde los primeros pasos.
    Lo difícil es negarse a una cosa de ésas.

    En los rincones difuminados de la historia
    saboreamos venenos,
    traicionando la sangre hasta que los nombres
    nos hieran de repente. Hasta allá van abriendo
    pequeños cortes, arrastrados.
    Y después está la luz a la que se corre
    como si faltara el aire. El terror, al final,
    es un modo de darse. Lámpara oscilando
    para que nos vea de otros tantos lados
    la oscuridad.

    Al suelo fui ya muy tarde y
    me supo como una brisa, pero hoy
    escupo sangre vieja
    del golpe que llega, me parte el labio
    la hunde hasta adentro, esta cara que ya no
    reconozco. Un sabor amargo, admirable
    rehace mi boca cada noche,
    y negro florece arterial
    como vibran las lesiones cantando por la vida.
    Cada dolor que me olvida, lo renuevo.
    Exprimo los pobres materiales a mi alrededor,
    y la edad me pasa en limpio el susto.

    Agua en la cabeza, subiendo lentamente
    como el cazador al seguirle el rastro.
    Oigo cómo la distancia alimenta el grito,
    y extiende sus pasos sofocando al propio eco,
    con ritmo disoluto: viene, vaguea, soplando
    la demencia al oído de cada cosa.

    Cuando la lengua deja de ser carne
    hay un viento que sólo las sombras mueve,
    lo demás queda petrificado.
    De flores ya muertas desata el perfume
    ¿y vengo a respirarlo por qué lado?
    ¿A qué cabeza me llegan las imágenes,
    la frase temblorosa que refleja?

    Silencio infundido por la comezón de los astros
    desde esa torre oscura y desordenada
    les tomo el pulso a estrellas necesitadas,
    las extintas en sus últimos movimientos,
    descomposiciones lentas escurriendo milenios.
    Como canciones lentas, como
    frutos agrietados de olor inquietante,
    como todo lo que el sol disputa
    a los animales. Terrenamente,
    con estos pocos sentidos, espío
    los modos en que todo se deshace,
    la mirada llena de esa gente que recuerda
    los caminos de los ahogados.
    De qué parto con estas manos, del mal
    que les reconozco, de este frágil
    talento para desastres,
    no me arrepiento, pues mato para abrir
    y admirar. Tal vez sea un poco tarde.
    Para ellos. No para mí.
    Y lo que los pájaros me roban, así
    me entero cuánto del error tocó fondo.
    Se comen la belleza, ellos, yo recojo
    huesos vivos. Olla y lumbre, la sopa
    que sirvo a mis fantasmas.

    3.

    Dois anos já que espero me arrefeça o café
    frente a lentíssimas cenas de caça
    a rotina dos astros sobre umas poucas vidas
    o laranjal incendiado e toda essa dança corrosiva
    um fio de pesca nas mãos para que esquecido peixe?
    e a frase com ela no meio indo à fonte
    encher-se até cima
    trabalhada como por um sonho

    por ser doloroso o seu nome
    vi-o espalhado, séculos antes lia-se em cântaros
    neste vi-o marcado nas árvores
    ali estava como um vestido a florir na corda
    e o sol cheio de vagar a compor os ossos debaixo
    tigres atravessando o selvagem estampado
    a frágil fúria colorida num suave impasse
    enquanto eu amestrava todos os tiques da solidão
    e a escrita como uma forma de modéstia
    o sentido estrito das aventuras
    os mais ínfimos relatos e de costas
    a antiguidade abanando a cabeça

    a vida mal nos toca no meio dos bocejadores
    desluzida mão-de-obra em transe
    com as insistentes dívidas aos gatos
    pássaros, cinzas assim
    cansados uniformes adormecidos nos telhados
    aquele mar moribundo atrás da casa
    para quem gosta de afogar-se escutando os remadores
    toda essa água ajuda-os lá com as coisas deles
    uma última intimidade com o mundo
    uma cobardia, uma fábula
    algum outro assunto

    mas ainda há um caroço poisado
    sobre o muro, sobre o pior dos cansaços
    há quem sopre a poeira dos colibris de biblioteca
    quem exume corpos entre o veneno das gavetas
    quem atravesse a manhã peneirando a neblina
    e com passos iguais outros
    tiram as medidas ao inferno

    então perdoa-me, velho, se te deixo
    se me falta o pudor e antes prefiro
    o carnívoro talento mais sem vergonha
    sorrindo sujo da mão ao cotovelo
    entre as mais baixas das partes, quentes
    eu a inspiro, esteja fresca ou podre
    carne com um cheiro a tangerinas ao fundo
    da língua faço um teatro romano
    entrego o pescoço, deixo rolar a cabeça
    por um enredo escabroso, do céu às fossas
    que sangre e chame a si os elementos

    e se das maiores inanidades esperei muito
    dobrado hoje sinto-o nas costas
    como se uma estrela pudesse esculpir ombros brutais
    a pupila dilatada de assombro à sua luz
    atiro a pedra arfante
    e cruzo a vida breve das paisagens
    o som de um coração trepando um susto
    até à morte, o frescor silencioso que está lá
    no início de todas as histórias

    3.

    Hace dos años que espero a que se enfríe mi café
    frente a lentísimas escenas de caza
    la rutina de los astros sobre unas pocas vidas
    el naranjal incendiado y toda esa danza corrosiva
    ¿un hilo de pescar en las manos para qué pez olvidado?
    y la frase con ella en medio yendo a la fuente
    a llenarse toda
    trabajada como por un sueño

    por ser doloroso su nombre
    lo vi esparcido, siglos antes se leía en cántaros
    éste lo vi marcado en árboles
    ahí estaba como un vestido floreciendo en la cuerda
    y el sol lleno de vaguear compone los huesos debajo
    tigres atravesando el salvaje estampado
    la frágil furia colorida en un suave impasse
    mientras yo amaestraba todos los tics de la soledad
    y la escritura como forma de modestia
    el sentido estricto de las aventuras
    los más ínfimos relatos y de espaldas
    la antigüedad moviendo la cabeza

    la vida apenas nos toca entre los bostezadores
    deslucida mano de obra en trance
    con las insistentes deudas a los gatos
    pájaros, cenizas así
    cansados uniformes dormidos en los tejados
    aquel mar moribundo atrás de la casa
    para quien le gusta ahogarse oyendo a los remadores
    toda esa agua les ayuda con sus cosas
    una última intimidad con el mundo
    una cobardía, una fábula
    cualquier otro asunto

    pero aún hay un hueso que reposa
    sobre el muro, sobre el peor de los cansancios
    hay quien sople el polvo de colibrís de biblioteca
    quien exhume cuerpos entre el veneno de cajones
    quien atraviese la mañana cerniendo la neblina
    y con pasos iguales otros
    toman las medidas del infierno

    así que perdóname, viejo, si te dejo
    si me falta el pudor y antes prefiero
    el carnívoro talento más sinvergüenza
    sonriendo sucio de la mano al codo
    entre las más bajas partes, calientes
    la respiro, sea fresca o podrida
    carne con olor a mandarinas al fondo
    de la lengua hago un teatro romano
    ofrezco el cuello, dejo rodar la cabeza
    por una trama escabrosa, del cielo a las fosas
    que sangre y llame a los elementos

    y si de las mayores futilidades esperé mucho
    lo doble hoy siento a mis espaldas
    como si una estrella pudiera esculpir hombros brutales
    la pupila dilatada de asombro a su luz
    lanzo la piedra jadeante
    y cruzo la vida breve de paisajes
    el ruido de un corazón trepando un susto
    hasta la muerte, el frescor silencioso que está allá
    al inicio de todas las historias


    Diogo Vaz Pinto (Lisboa, 1985). Poeta y editor, junto con David Teles Pereira, de la editorial Língua Morta. Estudió Derecho en Lisboa y desde 2012 es periodista y crítico literario en el semanario Sol y en el Journal i. Ha publicado los libros Nervo (Averno, 2011), Bastardo (Averno, 2012), Anonimato (&etc, 2015), Havia um sino no meio da estrada (Fundação EDP/Centro Nacional de Cultura, 2016) y Ultimato (Maldoror, 2018).

  • 0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Sara F. Costa

    0212 _Literatura Contemporanea de Portugal – Sara F. Costa

    Literatura contemporánea de Portugal / No. 212

    Murmúrios

    mesmo os murmúrios têm garras que respiram.
    mesmo eles têm sopros que arranham a cidade e as lembranças
    como se debaixo da dor ainda houvesse espaço para mais qualquer coisa.
    tu és como o som fervido de algumas palavras.
    como uma lembrança de onde há sempre algo mais para recordar.
    sabes, sabemos os dois
    que há noites que rastejam e que hão-de, aliás,
    rastejar dentro do esquecimento para sempre
    e que há sinais mitológicos de medo
    que nos limitam a banalidade dos gestos.
    mesmo o choro tem uma espécie de válvula
    que rejeita algumas banalidades,
    algumas formas de se entristecer sem estética.
    Mesmo a estética rejeita algumas palavras
    como amo-te ou não consigo viver sem ti
    e por isso eu nunca as uso.

    Murmullos

    hasta los murmullos tienen garras que respiran.
    hasta ellos tienen alientos que rasguñan la ciudad y los recuerdos
    como si debajo del dolor aún hubiera espacio para cualquier otra cosa.
    eres como el eco hervido de algunas palabras.
    como una memoria donde hay siempre algo más que recordar.
    sabes, sabemos los dos
    que hay noches que se arrastran y que, además,
    se arrastrarán en el olvido para siempre
    y que hay señales mitológicas de miedo
    que nos limitan la banalidad de los gestos.
    hasta el llanto tiene una especie de válvula
    que rechaza algunas banalidades,
    algunas formas de entristecerse sin estética.
    Hasta la estética rechaza algunas palabras
    como te amo o no puedo vivir sin ti
    y por eso nunca las uso.

    O meu dia

    o meu dia é uma insónia que tiveste e que se prolonga para lá do teu corpo,
    é um estado reluzente mas não muito quente
    que inunda os versos em miragens.
    das tuas mãos desprendem-se todos os rostos
    que imaginas existir no mundo
    mas as formas não são sempre formas e as ruas não são sempre tuas
    porque o timbre estrangeiro da tua voz
    confunde-se com o mar que se debruça
    para os teus sonhos enquanto dormes
    e que te eleva a febre efémera da esfera que é o mundo
    é a esfera do mundo que aquece e que te sobe pela temperatura do corpo,
    são as linguagens que te ascendem pela garganta
    que atravessam o globo para te escaldar por dentro
    enquanto não dormes e me deixas a tua insónia
    e trocamos ideias de como a vida é tão igual
    onde quer que se esteja.

    Mi día

    mi día es un insomnio que tuviste y que se prolonga más allá de tu cuerpo,
    es un estado reluciente pero no muy caliente
    que inunda versos en espejismos.
    de tus manos se desprenden todos los rostros
    que imaginas que existen en el mundo
    pero las formas no son siempre formas y las calles no son siempre tuyas
    porque el timbre extranjero de tu voz
    se confunde con el mar que se inclina
    hacia tus sueños mientras duermes
    y que te eleva la fiebre efímera de la esfera que es el mundo
    es la esfera del mundo que calienta y que te sube por la temperatura del cuerpo,
    son los lenguajes que te suben por la garganta
    que atraviesan el globo para escaldarte por dentro
    mientras no duermes y me dejas en tu insomnio
    y cambiamos ideas de cómo la vida es tan igual
    donde quiera que se esté.

    Portugal II

    a vontade esverdeada da janela
    asfixia-me,
    salta-me para o pescoço de pérola.
    quero um fonema mudo
    no meu colo,
    um emprego em versos
    e um sono estanque.
    ao acordar quero beber
    as palavras derivadas da infância.
    onde hastear esta bandeira de sardinhas e amêijoas
    senão no coração?
    comprei uma paisagem vazia
    para condizer com a catástrofe.
    a austeridade do silêncio
    não reestruturou a minha vida.

    Portugal II

    el deseo verdoso de la ventana
    me asfixia,
    me salta al cuello de perla.
    quiero un fonema mudo
    en mi regazo,
    un empleo en versos
    y un sueño inmóvil.
    al despertar quiero beber
    las palabras derivadas de la infancia.
    ¿dónde izar esta bandera de sardinas y almejas
    sino en el corazón?
    compré un paisaje vacío
    para combinar con la catástrofe.
    la austeridad del silencio
    no reestructuró mi vida.

    Networking

    não te ia pedir os contactos dos teus inimigos
    se tivesse escrito uma carta encarnada
    entre as pernas
    hoje é esse corpo que te espera,
    uma fonte multicultural
    anticultural, pré-cultural
    de estilhaços:
    reflexos na continuação da pele.
    quando me sentar à mesa
    para propor o fim da humanidade
    quero beber o teu demónio com sake.
    não te ia pedir contactos de inimigos,
    tenho uma propensão natural para o sangue
    não preciso de escrever cartas
    em formato de e-mail encarnado
    porque tenho este sentimento vazio que existe em quem
    sabe fazer negócios.

    Networking

    no te pediría los contactos de tus enemigos
    si hubiera escrito una carta encarnada
    entre las piernas
    hoy es ese cuerpo que te espera,
    una fuente multicultural
    anticultural, precultural
    de esquirlas:
    reflejos en la continuación de la piel.
    cuando me siente a la mesa
    para proponer el fin de la humanidad
    quiero beber tu demonio con sake.
    no te pediría contactos de enemigos,
    tengo una propensión natural a la sangre
    no necesito escribir cartas
    con forma de e-mail encarnado
    porque tengo este sentimiento vacío que existe en quien
    sabe hacer negocios.

    Catedrais contemporâneas

    esta é uma vila com mais de dez milhões de habitantes
    são carros e gente e bicicletas
    num caos perpétuo.
    é certamente uma vila porque as pessoas têm mãos sujas
    e expectativas de sobrevivência pelo seu próprio cultivo
    da paz interior.
    vidas de néon que constantemente atravessam estradas
    em direção a catedrais contemporâneas:
    os edifícios que tentam chegar a Deus
    ou são os donos dos edifícios deuses sem causa?
    passa por mim um fantasma global
    cheio de violência nómada.
    trocamos respirações poluídas.
    o outro lado do mundo é igual ao outro lado do mundo.

    Catedrales contemporáneas

    éste es un pueblo con más de diez millones de habitantes
    son carros y gente y bicicletas
    un caos perpetuo.
    es ciertamente un pueblo porque las personas tienen manos sucias
    y expectativas de sobrevivencia por su propio cultivo
    de la paz interior.
    vidas de neón que constantemente atraviesan caminos
    en dirección a catedrales contemporáneas:
    los edificios que intentan llegar a Dios
    ¿o son los dueños de los edificios dioses sin causa?
    pasa a mi lado un fantasma global
    lleno de violencia nómada.
    cambiamos respiraciones contaminadas.
    el otro lado del mundo es igual al otro lado del mundo.


    Sara F. Costa (Oliveira de Azeméis, 1987). Licenciada en Lenguas y Culturas Orientales por la Universidad de Minho y maestra en Estudios Interculturales Portugués/Chino por la Universidad de Minho en asociación con la Universidad de Lenguas Extranjeras de Tianjin. Ha publicado los libros de poesía A melancolia das mãos e outros rasgos (Pé de Página, 2003), Uma devastação inteligente (Atelier, 2008), O sono extenso (Âncora, 2012), O movimento impróprio do mundo (Âncora, 2016) y A transfiguração da fome (Labirinto, 2018). Ha recibido varios premios nacionales en la categoría de poesía. Ha sido profesora universitaria y actualmente es directora del Portal Martim Moniz, una plataforma de intercambio cultural entre Portugal y China, así como del Centro de Lengua China del mismo sitio.

  • 0212_Del Árbol Genealógico – Alejandro Toledo

    0212_Del Árbol Genealógico – Alejandro Toledo

    Del Árbol Genealógico / No. 212
    El 68 literario en mi memoria*

    En el 68 sólo tenía cinco años de edad, por lo que guardo pocos recuerdos de esos días. A veces digo, en broma, que asistí al mitin de la Plaza de las Tres Culturas como integrante de la célula comunista Francisco Gabilondo Soler… En realidad me enteré de lo sucedido años después, por los libros. En casa teníamos T68, un volumen de Juan Miguel de Mora, del que no conservo el ejemplar. Como a los dieciocho años alguien me escribió en un papel el título de una obra que le habían recomendado: Palinuro de México. Se acreditaba esa novela a Guillermo Cabrera Infante. Acudí así, papelito en mano, a una de las muchas librerías Porrúa que había entonces en el centro de la Ciudad de México; ésta estaba en República de Brasil. Me aclararon que el autor no era el narrador cubano sino Fernando del Paso, de México también, como Palinuro. Y me presentaron un hermoso tabique blanco con un extraño y colorido orbe surrealista en la portada.

    Era yo, y lo sigo siendo, lector de mamotretos. Cuando hallé la Biblioteca de México, la que está en La Ciudadela, prácticamente seleccionaba los libros por su grosor; pasé un buen tiempo ahí con los novelones de Dostoievski… Al tener en mis manos esa edición de Joaquín Mortiz de Palinuro de México lo primero que valoré fue su tamaño y su peso. En la primera solapa se leía:

    Un cadáver exquisito recorre el mundo, lo agrede culterano y lo transgrede manierista y qué: lo abarca con barrocos excesos, con sus pros en todos los relieves del humor y del amor y con sus contras inobjetables: un fantasma de vacío succiona plenitudes, certezas, convenciones: el fantasma más exuberante, vulnerable y fósil de la Facultad de Medicina que se echa a perder —el tiempo— en erudiciones: el fantasma menos de un estudiante asesinado por hacer la V de la Anarquía en plena Plaza: uno más o uno menos da exactamente lo mismo y lo contrario desde 1968.

    Ahí no acababa el texto de la solapa, firmado por Agustín Ramos, mas era suficiente para decidirse.

    —¿Cuánto cuesta?

    —Setecientos veinte pesos.

    Era caro para mí, estudiante de la carrera de Ciencias Políticas y Administración Pública en la ENEP Acatlán de la UNAM, pero…

    —Lo llevo.

    Un espacio recurrente en mi vida ha sido la Plaza de Santo Domingo. El padrastro de mi madre fue músico de la Sociedad de Filarmónicos de la Industria Cinematográfica; y sus hermanastros fueron, ellas (Linda y Pilar) pianistas, y ellos (Toño y Alfredo), violinistas. En esa inercia de niños nos inscribieron, a mis hermanos y a mí, en la Escuela Superior de Música, entonces en República de Cuba, a un costado de la Plaza de Santo Domingo. Luego, en las vacaciones largas después de la secundaria, mientras esperaba los resultados de mi examen de admisión al bachillerato, trabajé en la Joyería Midas, en República de Brasil; y el correo universitario me asignó como preparatoria la número 1, aún en San Ildefonso. Estaba condenado a vivir en ese centro alterno al Centro Histórico que era la Plaza de Santo Domingo y sus alrededores. Cuando llegó a mí Palinuro de México me encontré de nuevo como habitante (ahora imaginario) de esos territorios. Tenía, además, la edad de los protagonistas, y aunque no estudié Medicina, cierta inquietud malsana me hizo asiduo a las morgues, por lo que sé qué es un cadáver, exquisito o no. Y en el horizonte de mi despertar sexual también figuraba alguna mujer tan hermosa, para mí (y tan pura, inocente, impávida), como Estefanía para Palinuro.

    Esa novela de Fernando del Paso representa las varias vías que se cruzaron en el año 68. Es un libro sicodélico, como lo fue la época, lleno de humor e irreverencia. Es como si uno asistiera a una marcha del movimiento estudiantil y se percatara de esa cultura nueva, distinta a la adulta, que se había ido manifestando poco a poco acaso a partir del año 63, con la explosión del rock y de los Beatles. El 68 tiene esos dos rostros, como en la representación gráfica de la actividad teatral: la comedia, por la explosión juvenil, la invención diaria de formas de decir cosas que hasta entonces no habían sido expresadas; y la tragedia, por las reacciones represivas del Estado mexicano, que no supo entablar un diálogo franco con los jóvenes y su rebeldía e innecesariamente (sólo para que quedara claro quién mandaba en la casa) terminó por dar un golpe tremendo en la mesa.

    Por Palinuro de México, claro, me interesé en saber qué otros autores trataban el tema. Y encontré toda una fuente narrativa de más de treinta títulos. Por eso digo que así como hubo una novela de la Revolución, hay, sin duda, una novela del 68. Esto no ha sido aún entendido por la crítica o la academia, que por años se limitó, en los recuentos conmemorativos, a señalar lo que estaba más a la mano, en esa fase testimonial de la literatura del 68: La noche de Tlatelolco (1971), de Elena Poniatowska, y Los días y los años (1971), de Luis González de Alba, que tienen sus valores pero son sólo una parte (aunque sustantiva) del paisaje.

    La primera novela con tema del 68 es Juegos de invierno (1970), de Rafael Solana, en la que se repiten, sin distancia crítica, las consignas gubernamentales, sobre todo aquello de las intrigas nacionales o internacionales por desestabilizar al sistema. Por esa vía circula un título anterior, El móndrigo (1969), que no es, pero sí, ficción: un libelo urdido en la Secretaría de Gobernación, al parecer obra del filósofo Emilio Uranga o del político guerrerense Jorge Joseph (o labor a cuatro o más manos de escritores fantasmas, sicarios de la pluma), y que el gobierno sembró en las librerías del país. Y en esa oscuridad, oficialista o mística, también se ubican La Plaza (1972), de Luis Spota, y Regina (1987), de Antonio Velasco Piña.

    A Juan García Ponce le ocurrió que lo confundieron, al salir del diario Excélsior (en donde entregó un escrito de intelectuales y artistas a favor de los estudiantes), con Marcelino Perelló, uno de los miembros del Consejo Nacional de Huelga. Fue detenido y llevado a los separos de Tlaxcoaque para interrogarlo… Mas pronto se die ron cuenta de que se habían equivocado de personaje. Esta experiencia se transformó en la novela La invitación (1972), que tiene un epígrafe de Novalis: “El mundo se hace sueño; el sueño se hace mundo”… Y García Ponce llevaría el tema del 68 a uno de sus grandes proyectos narrativos, Crónica de la intervención (1982), no vela de muy largo aliento en la que los sucesos de la vida privada de sus personajes se entrecruzan con el desarrollo de la vida pública, hasta desembocar, el 2 de octubre, en la matanza de Tlatelolco, de la que se dice: “No fue una batalla, no se trató de un enfrentamiento entre enemigos. Sólo hubo víctimas y verdugos” (p. 1020).

    Como también considera García Ponce, México vivió esos meses entre dos realidades: una, impuesta desde el poder, que tenía el control casi absoluto de los medios de comunicación, y donde se planteaba que todo era producto de oscuras manipulaciones; y otra, la difundida por los jóvenes a través de impresos y reuniones rápidas en esquinas o mercados, en donde sus inconformidades pedían respuestas abiertas y francas… Por eso hubo una literatura del 68: lo que la prensa no pudo con tar entonces terminó por ser narrado tanto en libros testimoniales como en cuentos y novelas. Una reacción significativa, más inmediata, fue la de los poetas, empezando por Octavio Paz y el poema con el que acompañó su renuncia como embajador de México en la India por los sucesos del 2 de octubre; y donde hace una pregunta que aún ahora tiene resonancias terribles para nosotros: “¿Por qué?”

    He dicho que el ciclo de la novela del 68 es extenso y apenas he nombrado tres de ellas (de esa vertiente positiva y enriquecedora): Palinuro de México, La invitación y Crónica de la intervención, que son dos de ellas mamotretos, como los que suelo frecuentar. Ahora en mi escritorio tengo otro título, también de más de quinientas páginas: Si muero lejos de ti (1979), de Jorge Aguilar Mora, en donde se exploran las fronteras, lo que vivían en el 68 aquellos que no sabían dónde colocarse…

    Y hay más. El tema es largo y el espacio corto. Habría que dar algunos otros nombres de novelistas que se enfocaron en ese año y esas luchas: María Luisa Mendoza (Con Él, conmigo, con nosotros tres), Arturo Azuela (Manifestación de silencios), Gerardo de la Torre (Muertes de Aurora), Marco Antonio Campos (Que la carne es hierba)… ¿Cuáles son sus límites? Para mí la saga termina con Amuleto (1999), del chileno Roberto Bolaño, al retomar a esa poeta uruguaya, Alcira Soust Scaffo, quien permaneció oculta en uno de los baños de la Facultad de Filosofía y Letras (exactamente en el piso 8 de la Torre de Humanidades) durante la toma de Ciudad Universitaria por el Ejército, ocupación que duró aproximadamente quince días, hasta que la rescató Rubén Bonifaz Nuño. Ella había aparecido ya, en una primera recreación de ese episodio, en Los detectives salvajes (1998).

    Al llegar a este punto suelo volver a Palinuro de México, para mí uno de los centros vitales de la literatura del 68.

    * Una versión de este texto apareció en octubre en el portal de la revista Letras Libres.


    Alejandro Toledo. (Ciudad de México, 1963) es miembro del Sistema Nacional de Creadores de Arte. Es coautor (junto con Marco Antonio Campos) de la antología Poemas y narraciones sobre el movimiento estudiantil de 1968 (UNAM, 1996), y autor de Todo es posible en la paz: de la noche de Tlatelolco a la fiesta olímpica (UAM, 2008). Es editor, para el Fondo de Cultura Económica, de las Obras completas de Efrén Hernández y Francisco Tario. En 2018 publicó Instantáneas de la beatlemanía y otros apuntes sobre música y cultura (Dosfilos Editores).

  • 0212 _Editorial

    Editorial / No. 212

    Llegamos a fin de año con este número dedicado a Portugal, país invitado a la Feria Internacional del Libro de Guadalajara. Como otras veces, esta elección sirve de pretexto para dar a conocer a nuestros lectores, jóvenes universitarios, literaturas escritas por autores generacionalmente cercanos a ellos, en muestras antologadas por expertos. Es el caso de este dossier, “Literatura contemporánea de Portugal”, seleccionado, traducido y presentado por Cristina Díaz, académica de nuestra Facultad de Filosofía y Letras.

    Díaz reúne en estas páginas una muestra condensada y sustanciosa de la nueva literatura lusitana: cinco mujeres y un hombre nacidos en la década de los ochenta, algunos con una carrera ya consolidada, otros emergentes. Ha cubierto con ellos distintos géneros —novela, cuento y poesía— y, dentro de éstos, un abanico de temáticas y estilos cuyo sello es la diversidad. Además, ha optado por incluir a dos autores en la sección “Del Árbol Genealógico” que dan fe, también, de esta riqueza —Golgona Anghel y Miguel-Manso—, y que, aunque cercanos cronológicamente a los antologados, apadrinan la muestra marcando la tónica de la misma. Los poemas de ambos, como afirma Díaz, “dan una idea de las distintas exploraciones de la literatura reciente en Portugal” y funcionan como una suerte de poética de lo diverso.

    Hay, desde luego, ejes transversales entre los autores antologados. Uno de ellos es la transdisciplinariedad, rasgo que los hermana a muchos de los jóvenes escritores que publicamos en esta revista, y que podríamos ver como un factor común en las nuevas generaciones. Son escritores que no sólo se desenvuelven en distintos géneros literarios, sino que también transitan por otras áreas del arte y la cultura: cine, teatro, televisión, danza, música, periodismo, edición, docencia o gestión cultural. El otro eje, destaca Díaz, es la “conciencia del lenguaje y las reflexiones que esto trae consigo en torno a la escritura y las potencialidades de la palabra” o, para decirlo en voz de un entrañable personaje en el texto de Joana Bértholo que abre el dossier, “las palabras son las que mandan”.

    La muestra literaria se complementa con el discurso visual del artista Diogo Simões en un extenso portafolio fotográfico. Una serie de imágenes que, acomodadas en la secuencia designada por el fotógrafo especialmente para esta edición, narran una historia donde los personajes y el espacio se imbrican en un todo inquietante y provocador. En esta serie, Simões articula con maestría la observación sociológica y el espíritu vivencial.

    Además del dossier temático de esta publicación, hemos extendido el contenido de este número para continuar, a manera de coda, con el tema de nuestra edición anterior: los cincuenta años del movimiento estudiantil de 1968 en México. Con este dossier cerramos nuestra participación en el programa M68, en el cual Cultura UNAM programó cerca de trescientas actividades que conmemoraron el movimiento y la represión por parte del Estado en la Plaza de Tlatelolco, punto de quiebre en la historia reciente de México. En “68 | Otros ecos” presentamos a los poetas Diana del Ángel y Manuel de J. Jiménez, y al narrador Guillermo Vargas, precedidos por un ensayo de Alejandro Toledo sobre la literatura del movimiento, tema de innegable importancia dado que, tras la represión, el movimiento del 68 encontró en la literatura un espacio para perpetuarse. Valga entonces este cierre en la última Punto de partida del año como un recordatorio, otro grano de arena en la necesaria lucha contra el olvido.

    Carmina Estrada

  • 0212_Del Árbol Genealógico – Golgona Anghel

    0212_Del Árbol Genealógico – Golgona Anghel

    Del Árbol Genealógico / No. 212

    Alexandria, Rumania, 1979

    Traducción de Cristina Díaz

    Esta é a melhor altura do ano
    para cortar o cabelo — profere Sandy,
    remexendo com a ponta dos dedos
    alguns fiozinhos na testa.
    A porra da lua atrai as marés,
    cria tsunamis, invade o Japão,
    provoca uma crise nuclear,
    porque é que não haveria de fazer
    crescer o cabelo?

    Deus puxa os poetas pelos cabelos, explica Hölderlin —
    acrescento então,
    preocupada com a importância literária do assunto.
    Mas, para ter a certeza,
    quis perguntar a um especialista,
    isto é, a qualquer uma das mulheres
    que estavam agora a fazer fila
    à entrada do Ginásio Clube Português
    como os grandes bandos de antílopes Impala
    à beira de um pântano,
    num documentário na Animal Planet.

    Quis dizer-lhes que o dinheiro, a idade não contam,
    que amanhã é outro dia,
    mas depois lembrei-me dos terramotos,
    da crise nuclear, do IVA,
    e fiquei calada.

    De Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, 2011

    Ésta es la mejor época del año
    para cortarse el cabello —profiere Sandy,
    moviendo con la punta de los dedos
    algunos cabellos en la frente.
    Esa luna de mierda atrae las mareas,
    crea tsunamis, invade Japón,
    provoca una crisis nuclear,
    ¿por qué no habría de hacer
    crecer el cabello?

    Dios jala a los poetas de los cabellos, explica Hölderlin—
    agrego entonces,
    preocupada con la importancia literaria del asunto.
    Pero, para estar segura,
    le quise preguntar a un especialista,
    es decir, a cualquiera de las mujeres
    que estaban ahora haciendo fila
    a la entrada del Gimnasio Club Portugués
    como las grandes manadas de antílopes Impala
    a la orilla de un pantano,
    en un documental de Animal Planet.

    Quise decirles que el dinero, la edad no cuentan,
    que mañana es otro día,
    pero después recordé los terremotos,
    la crisis nuclear, el IVA,
    y me quedé callada.

    Podia fazer um bocadinho mais de esforço,
    sei lá: deixar de ser essa clepsidra cheia de neve.
    Gosto da sua pose clássica,
    de peitos nus debruçados sobre um futuro académico,
    livros raros e bibliotecas nacionais;
    mas fazia bem em tirar de vez em quando
    a gravata e o chapéu,
    subscrevo e recomendo, eu.

    Você sabe, gosto de coisas triviais, sou o seu cão banal,
    colecciono cabelos
    nas folhas de um herbário sentimental,
    sou vítima do seu produto interno bruto, objecto
    em série da maneira como segura no volante,
    eu imundo e encharcado,
    eu a sustentabilidade da segurança social,
    analfabeto, pedreiro da Lena Construções. Lda.

    Eu fácil eu farto eu fome
    com a vida marcada na pele,
    olha-me de frente
    quando gritas e esticas a pernoca.
    Quem manda aqui sou eu.
    Agora abre a boca.

    De Vim porque me pagavam, Mariposa Azual, 2011

    Podría hacer un poquito más de esfuerzo,
    no sé: dejar de ser esta clepsidra llena de nieve.
    Me gusta su pose clásica,
    de pechos desnudos inclinados sobre un futuro académico,
    libros raros y bibliotecas nacionales;
    pero hacía bien en quitarse de vez en cuando
    la corbata y el sombrero,
    suscribo y recomiendo, yo.

    Usted sabe, me gustan las cosas triviales, soy su can banal,
    colecciono cabellos
    en las hojas de un herbario sentimental,
    soy víctima de su producto interno bruto, objeto
    en serie de la manera como toma el volante,
    yo inmundo y empapado,
    yo la sustentabilidad del seguro social,
    analfabeto, albañil de Construcciones Lena S.A.

    Yo fácil yo harto yo hambre
    con la vida marcada en la piel,
    mírame de frente
    cuando gritas y estiras la piernota.
    Quien manda aquí soy yo.
    Ahora abre la boca.


    Golgona Anghel. Licenciada en Estudios Portugueses y Españoles y doctora en Literatura Portuguesa Contemporánea por la Universidad de Lisboa. Ha publicado los libros de ensayos Eis-me acordado muito tempo depois de mim, uma biografia de Al Berto (Quasi Edições, 2006) y Cronos decide morrer, viva Aiôn: Leituras do tempo em Al Berto (Língua Morta, 2013), y preparó una edición de los Diários do poeta Al Berto (Assírio & Alvim, 2012). Entre sus libros de poesía están Vim porque me pagavam (Mariposa Azual, 2011), Como uma flor de plástico na montra de um talho (Assírio & Alvim, 2013, Premio PEN Club Portugués de Poesía) y Nadar na piscina dos pequenos (Assírio & Alvim, 2017).

  • 0212_68│Otros ecos – Guillermo Vargas

    0212_68│Otros ecos – Guillermo Vargas

    68│Otros ecos / No. 212
    Lucas

    Lucas me enseñó a leer: tuvo la paciencia que mis padres nunca me tuvieron. Me cuidó cuando ellos salían y me daba chicles a escondidas de mamá. “No mastiques chicles, Silvia, pareces tortillera”, gritaba cada vez que me sorprendía. Jamás revelé quién me daba los chicles, es un secreto que guardo sólo para mí y para él. Lucas era mi hermano mayor, me llevaba diez años y se divertía más que los niños de mi edad. Cuando entró a la universidad mis padres se pusieron muy felices, aunque papá lamentó no poder comprarle un carro a su hijo. Lucas y yo siempre nos tuvimos confianza: yo le contaba de las niñas que me caían mal y él me hablaba de la chica que le gustaba. Recuerdo que se llamaba Rebeca; decía que era más guapa que Angélica María, yo creía eso imposible.

    Hubo una temporada en la que nos distanciamos: él llegaba a estudiar y yo a aprenderme el interminable discurso que tenía que dar para el Día de la Bandera en la escuela. Ese día Lucas faltó a clases para ir a verme. Papá lo regañó y mamá lo tomó como un gran gesto de hermandad. “Tu papá se enojó porque sus hermanos nunca han sido unidos”, me dijo mientras lavábamos los trastes. El discurso fue en torno a la bandera de México y el valor que tiene en nuestra sociedad. Fue una construcción muy básica para mis ocho años. Mamá lo revisó y me dijo “ya pusiste muchas íes” y Lucas apuntó todos mis errores ortográficos. “Hay que leer más, hermanita.” Mis ideas y concepciones me parecieron interesantes, tanto así que quise aprenderme todas las banderas que había en el mundo. Inspeccioné la gran enciclopedia de papá y le pedí a Lucas que me preguntara los colores de cada una. Fui un fracaso. Mi hermano me explicó que es difícil aprenderse tantas cosas al mismo tiempo, me propuso que mejor nos aprendiéramos las de los países que vendrían a las olimpiadas, así sería más fácil. Nuestra meta era poder ver la inauguración en la nueva televisión e identificar a los países por su bandera. Las que más trabajo me costaba recordar eran las de Congo-Kinshasa y Sierra Leona, algunos de los tantos países que desconocía. En ese tiempo, Lucas y papá siempre discutían en el desayuno, en la comida o en la cena. A mamá ya le daba igual. En el verano discutieron sobre quién ganaría más medallas. Yo dije inocentemente que México, Lucas que la Unión Soviética y papá dijo enojado, con una mirada retadora, que Estados Unidos. Mi hermano se molestó y le dijo que eso era imposible, que los soviéticos estaban tremendamente preparados y que ganarían más de cien medallas. “¡Tonterías! Lo dices porque de seguro eres rojo”, le gritó papá. No entendí esa situación hasta unos años después. Mamá se levantó de la mesa, dijo “provecho” y me pidió que la acompañara, pero antes de que eso sucediera Lucas se levantó y azotó la puerta de su cuarto.

    Durante esa época mi papá y mi hermano no se dirigieron la palabra, comían a horas distintas y, cuando cruzaban miradas por casualidad, las desviaban. Mamá estaba cansada de la situación, pero no sabía a quién darle la razón. Al final siempre se quejaba de que mi papá venía de una educación distinta y por eso no comprendía a mi hermano. Lucas y yo nos veíamos poco porque no estaba mucho en casa y regresaba tarde. Esto fue tema de discusión entre mis padres. Los sábados llegaba a mi cuarto y platicábamos. Yo le decía que la niña que me caía mal ahora era mi amiga y él que Rebeca quizá no era tan guapa como Angélica María, pero que le gustaba porque ella era real. Se me ocurrió preguntarle qué era lo que más le gustaba de Rebeca y me respondió que su forma de bailar. “Tú no sabes bailar, ¿verdad?”, me preguntó. Le dije que no con la cabeza y me tomó de las manos y me dijo: “Sigue mis pies y ve a donde te digan mis manos.” En ese momento no comprendí qué podían ver de divertido los adultos en bailar, si sólo se movían de un lado a otro como locos. Me dijo que eso era el rock n’ roll. Me habló de Elvis y de cómo movía las caderas. Escuchábamos el radio, mascábamos chicle y platicábamos de nuestros sueños. Alguna vez me dijo que sólo estudiaba para abogado porque era el sueño de papá, pero que el suyo era ser actor de teatro. Recuerdo que le confesé que yo no sabía qué quería ser de grande. “Nunca lo sabrás, sólo lo serás”, me dijo con toda seguridad. Me prestó algunos libros que prometí leer, le pedí que no tuvieran muchas páginas y que tampoco fueran de amor. Él siempre me decía que el amor lo era todo en la vida y yo me reía.

    Un mes y medio antes de las olimpiadas, quise retomar la tarea de aprenderme de memoria las banderas de los países. Las dibujé en una libreta con mis colores y puse los nombres con pluma. Era una suerte que apenas hubiera iniciado el ciclo escolar porque tenía completos mis colores, recuerdo que siempre perdía el color rojo. Cuando terminé la bandera de la Unión Soviética, se la mostré a Lucas. Con mucho cuidado dibujé, debajo de una estrella, lo que me parecía una espátula y una media luna. A papá no le interesó para nada mi colección de ciento doce banderas, pero mamá me comentó que estaban muy bonitas. Matilde, la muchacha que nos hacía la limpieza, me dijo que debería hacer más dibujos para pegarlos en mi cuarto. Papá y Lucas seguían en la misma situación y, cuando se dirigían la palabra, mi hermano recibía los regaños y cuestionamientos por llegar tarde. Esa situación siempre terminaba igual. En mi misión de memorizar me fue bien, recordaba mínimo ochenta distintas. Mis favoritas eran las de México, Argentina, Liechtenstein y Grecia. Siempre confundía a Bahamas con Honduras Británica y a Yugoslavia con Costa Rica. La que siempre olvidaba era la de Zambia. Recuerdo que tenía color verde con diferentes franjas y un águila. Lucas investigó cómo era Zambia y me dijo que, en vez de una fiesta de quince años, debería pedirle dinero a papá para ir a Zambia y nadar con hipopótamos. “¿Te imaginas poder nadar con un hipopótamo?” Los dos nos reíamos y pensábamos en cómo seríamos si fuéramos una familia de hipopótamos. Un día, sin razón aparente, papá nos anunció que no iríamos a la escuela durante algunos días. Me sentí tranquila porque tendría más tiempo para estudiar las banderas, pero a Lucas no le pareció tan buena idea. También nos prohibieron salir de casa, aunque eso más bien era para él porque yo sólo podía jugar en el garaje o en el patio cuando venían amigas a la casa. Todos nos quedamos en la mesa, todos menos Lucas, que subió enojado, rojo del coraje y casi llorando. Papá sólo vio su plato de sopa y se levantó. Mamá no dijo nada.

    Ya recordaba casi todas las banderas. Bueno, más de ochenta sí recordaba. Estudiaba todos los días. Lucas se encerraba en su cuarto a leer. No hablábamos para nada. Sin embargo, un día entró a mi cuarto, me ayudó a estudiar y le dije que sabía cuál era la de Zambia, se la dibujé rápidamente. Me miró dibujar y esperó hasta que terminara. Su mirada me hablaba de muchas cosas que no comprendí en ese momento. Estaba contento por mí, estaba feliz de que su hermana consiguiera lo que quería porque así debían ser las cosas. “Silvia, necesito que me hagas un favor. Necesito salir de la casa sin que mis papás se den cuenta.” Le pregunté por qué se quería ir y me dijo que Rebeca estaba en problemas. “A cambio te voy a dar estos chicles.” Le dije que sí, aunque realmente no lo hice por los chicles, más bien fue por la complicidad que compartíamos de toda la vida. Esa tarde distraje a mamá mientras Lucas saltaba la barda de la casa. Subí rápidamente a su cuarto y cerré la ventana sin hacer ruido. Habíamos acomodado almohadas que simulaban ser su cuerpo dormido y cerré la puerta para que nadie sospechara nada. Estaba nerviosa porque no sabía bien qué había hecho, pero estaba tranquila porque Lucas había logrado salir. Esa tarde me acosté en mi cama, pensé en el día de las olimpiadas y en los hipopótamos de Zambia. Mastiqué algunos chicles y escondí los restantes debajo de mi cama. En la noche papá llegó enojado, subió al cuarto de Lucas para darse cuenta de que no estaba. Llamó a gritos a mamá y los dos rompieron en llanto. Estaban frente a la puerta y miraron detenidamente. Buscaron en mi cuarto y encontraron los chicles. Me preguntaron que si sabía a dónde se dirigía Lucas. Lloré. No supe qué responder y me quedé en silencio. Me dejaron en la casa y salieron a buscarlo, pero a las dos horas regresaron sin respuesta.

    Pasaron los días y mamá permaneció sentada en un sillón al lado de la puerta. Papá siempre estaba viendo la televisión esperando ver a su hijo, pero eso nunca sucedió. Alguna vez escuché que le dijeron a Matilde: “No le digas nada a la niña, no debe saber sobre esto.” Le pregunté si sabía algo sobre mi hermano, pero sólo me decía: “Ay, mi niña, tú no estás en edad para saber de esas cosas.” Mis papás se negaron a hablar del tema conmigo. Yo sé que lloraban cuando no los veía, y yo también lloraba cuando ellos no me veían. Me sentí culpable. Me sentí triste. Me sentí devastada. Nunca más vi a mi hermano. No gritamos el nombre de los países al ver las banderas en las olimpiadas. No conocí Zambia ni nadé con los hipopótamos. Nunca supimos nada más de Lucas. Mamá comenzó a mascar chicle esa navidad. A los pocos días despidieron a papá de su trabajo en la General Electric. A mí me sacaron de la escuela. Ninguna de mis amigas me hablaba. La habitación de Lucas se quedó intacta porque papá decía que tenía que volver. Papá lloró el día que Estados Unidos superó a la Unión Soviética en las medallas. Jamás pude volver a mascar chicle sin que mi estómago se llenara de rabia, de culpa, de terror y de soledad.


    Guillermo Vargas (Ciudad de México, 1995). Escribe microrrelato y cuento. Ha publicado en medios impresos y digitales. Participó en el 9° Curso de Creación Literaria para Jóvenes de la Fundación para las Letras Mexicanas. Twitter: @memoo_mx.

  • 0212_68│Otros ecos – Diana del Ángel

    0212_68│Otros ecos – Diana del Ángel

    68│Otros ecos / No. 212
    Sobre el túmulo de arena

    Éramos tres en medio de la plaza,
    cada uno con su historia,
    cada quien su silencio,
    con su noche cada quien a cuestas.
    Yo miro el templo de Santiago,
    al lado murmuran las ruinas de cantera,
    bajo la luna, un fractal neón
    atrapa los muros de vidrio.
    En uno de los edificios dormidos
    nos espera mi casa a oscuras:
    los libros y el café
    sumidos en el tibio balbuceo
    de una lengua en la que apenas
    comienzo a nombrar
    el espacio que habito.

    De todos los caminos posibles
    MaryCarmen escogió éste.
    “Hoy será la noche”, dijo.
    Emocionados salimos del café.
    Emmanuel como un nuevo juglar
    sembró de historias el camino bajo tierra.
    Nuestras risas se apagaron
    apenas salimos del vagón.
    Atravesamos en silencio la Unidad.
    Por nuestros oídos sólo ha entrado
    el susurro de los eucaliptos y los sauces,
    cada paso nos llenaba
    de una extraña emoción, de sentir
    que algo ocurriría esta noche,
    algo más que nosotros tres en medio de la plaza.

    Venimos
    por algo que no sabemos nombrar,
    venimos hace más de diez años
    caminando por los mismos rumbos:
    desde el salón de clases al café
    calles repletas de consignas, una escuela
    como casa, compañeros tan hermanos,
    una huelga nuestra adolescencia,
    las celdas siempre celdas.

    La primera vez que pisé este suelo,
    no imaginé que aquí viviría,
    la primera vez llegué gritando
    “Vestido de verde olivo,
    políticamente vivo…”
    Quizá venía con él,
    porque ya desde entonces
    nos alegrábamos las palabras grises,
    desde esos días venimos juntando historias,
    preguntando por qué,
    escarbando entre líneas, para entender
    venimos.

    Dicen, me dice casi en un susurro,
    que… en trece de agosto,
    y a hora de vísperas
    en día de Señor de San Hipólito,
    año de mill e quinientos
    y veinte y un años…
    se prendió Guatemuz y sus capitanes
    Llovió y relampagueó…
    y tronó aquella tarde…
    con más agua que siempre,
    dice el viejo soldado queriendo
    su pedacito de nuevo mundo.

    Éramos los tres por vez primera.
    Él y yo hemos venido muchas otras,
    a sentarnos, a caminar, a estar de pie
    a mirar este pedazo de la tierra,
    hecho de tres pedazos,
    de nuestras tres caras sumidas en la noche.
    Pero antes fue sólo arena,
    un montículo de arena sobre el lago
    luego rica ciudad, mercado populoso,
    última trinchera, Colegio Ymperial,
    cárcel, túmulo de estudiantes
    es lo que ha hecho
    el Dador de la vida en Tlatelolco

    Dicen que llovió esa tarde, sobre la plaza
    quedó el rastro de cuerpos y zapatos:
    piedras rojas brotaron de los muros.
    Pero el general arguye que ordenó
    que no matase ni hiriese a ningunos indios…
    solamente en el caso de que el Ejército
    sea invadido con armas de fuego…
    y aun así que solamente se defendiese
    y no les hiciese, otro mal…
    para evitar desgracias en personal inocente.
    Así dicen Cortés o García Barragán,
    o cualquiera en cualquier plaza,
    como si ignoraran
    lo rápido que florece la muerte.

    Y yo no sé de qué manera lo escriba,
    pues en las calles y en los mismos patios
    del Tatelulco no había otra cosa,
    y no podíamos andar
    sino entre cuerpos y cabezas de indios muertos…

    Llovió y relampagueó
    sobre la carne perforada,
    los cráneos vueltos cuencos por el agua,
    las costillas rotas, las tráqueas
    y vértebras molidas, los tejidos
    traspasados, los músculos contusos,
    los pulmones sin oxígeno,
    los hígados dañados, la sangre aún tibia
    entrando en el silencio de la piedra
    caliza que guardará memoria
    de las palabras agolpadas
    tras los labios inertes:
    nosotros iremos hacia el sol…

    Esa mañana fría,
    de la que se ausentaron tantos ojos,
    amaneció la plaza herida.
    Piedra manchada en la memoria de la urbe,
    piedra en el zapato de un pueblo vacilante,
    piedra en el buche tricolor retacado de piedras,
    piedra en la garganta de mi amiga,
    que viene a esta plaza por vez primera.
    Casi niña se lo prohibió,
    se condenó a vivir al margen:
    mordiéndose los labios,
    llorando hacia adentro
    el silencio de comidas obligadas,
    la fortuna ominosa del abuelo Castillo
    y los sus muertos
    que no supieron de su asesino.

    Éramos tres y no me he dado cuenta:
    ella se ha adelantado hasta la placa,
    se ha detenido
    con todo y su silencio,
    de pie ante la estela de los caídos.
    No sé desde hace cuánto
    se habrá quedado sola, inmóvil.
    Por el brillo de su blusa
    tan blancamente idónea, la reconozco
    arrodillada en la penumbra
    de esta noche cualquiera,
    buscando en su interior las palabras
    para hablar con los muertos
    que siente como piedras en sus pasos.
    Ella rompe el silencio en esta plaza,
    el no decir trémulo
    de su ascendencia militar,
    de su abuelo paterno,
    general que ganó su grado el dos
    de octubre en esta plaza,
    mucho antes de que ella naciera,
    muchas veces condecorado
    por las muchas vidas tomadas
    impunemente
    mucho muy orgulloso
    de haber salvado a la patria.

    Ella pide perdón
    por su abuelo que morirá
    sin haber dicho perdón,
    con su grado,
    su sagrada creencia en las órdenes
    sus cenas sin familia.
    Pide perdón por estar viva,
    “soy la nieta del asesino,
    vivo sobre su muerte, a pesar
    de su muerte tengo amigos,
    paseo por la ciudad, perdón,
    con dos generaciones de retraso”.
    El llanto se extiende,
    las lágrimas gotean allí en Tlatelolco.
    ¡El agua se ha acedado, se acedó la comida!

    No sé qué hilo nos junta
    en esta noche de culpas heredadas,
    qué aguja enhebró mi mudanza
    a este lugar, qué cuerda fue tocada
    en sus entrañas para formar esa palabra,
    perdón,
    qué hilos serán tocados
    por las seis letras apenas audibles,
    qué música desatará esta noche
    desde esta plaza con el llanto y las estrellas,
    qué oídos, corazones, manos serán tocados
    por esa palabra humilde y desgraciada.

    Apenas un gesto mínimo,
    lento grano que cae lastimosamente
    en este reloj
    que no marcará la Historia,
    que tal vez no escuche nadie,
    pero está como estuvieron
    esos muertos en la plaza, como nosotros
    ahora que la lluvia vuelve
    sobre nuestras cabezas.

    Y yo no sé de qué manera decir
    este hueco en los costados.
    Qué me ocurre al imaginar
    el agua sucia por la sangre
    impotable
    que llueve en la masacre.
    Y sólo queda este lazo que nos ata
    al correr del tiempo y nos re-une
    esta noche, en este lugar,
    hoy que la cuenta de los años nos alcanza:
    año casa, año conejo,
    año cuchillo de sacrificio,
    siempre el mismo para las tres ciudades:
    Tenochtitlán, Nueva España
    y ésta que piso a oscuras,
    siempre la misma sangre.

    Éramos los tres en medio de la plaza,
    todo calla, la lluvia cesa.
    Ella vuelve a nuestro lado,
    apenas ha dado unos pasos
    pero parece llegada
    (llagada)
    desde el Mictlán.
    Algo ha dejado ante la placa
    y vuelve siendo otra, algo
    le ha cambiado
    la expresión del rostro, se ha roto
    algo
    dentro de ella (y también de nosotros)
    pero el lazo tejido por los caminos
    nos anuda a esta plaza humedecida.

    Sólo nos quedará el instante
    sin palabras, se grabará
    el silencio tras las risas
    como la hierba entre las piedras.
    Resonará el momento compartido
    cuando el día nos encuentre
    tomando otro café en mi casa
    y el eco del silencio
    se cuele por los huesos de la tierra.

    Y quedará la plaza gris
    enverdecida
    aquí y allá
    la hierba rala
    como los cabellos
    de los muertos bajo las piedras,
    entre las ruinas rasguñadas por el tiempo
    y la iglesia sorda
    sepultada en la noche más oscura.

    Todo esto es lo que ha hecho
    el Dador de la vida en Tlatelolco.


    Diana del Ángel (Ciudad de México, 1982). Poeta, ensayista y defensora de derechos humanos. Ha sido becaria de la Fundación para las Letras Mexicanas de 2010 a 2012, y del FONCA en su programa de residencias artísticas. Obtuvo la Primera Residencia de Creación Literaria Ventura+Almadía. Es miembro del Seminario de Investigación en Poesía Mexicana Contemporánea desde octubre de 2016. Desde 2002 hasta 2017, formó parte del taller “Poesía y silencio”. Ha publicado Vasija (Instituto de Cultura de Morelos, 2013), Procesos de la noche (Almadía/Fondo Ventura, 2017), Barranca (Fondo Editorial Tierra Adentro, 2018) y artículos en diversas revistas y medios digitales. Es colaboradora de la Enciclopedia de la Literatura en México. Algunas de sus traducciones del náhuatl al español han sido publicadas por la revista Fundación. Las antologías 9 poetas que le te men a los payasos (Mamacita Editores, 2016), Encuentro Nacional de Poetas Jóvenes. Ciudad de Morelia (SECUM, 2016) y Fuego de dos fraguas (Exmolino, 2016) recogen parte de su trabajo. Actualmente realiza un doctorado en Letras en la UNAM.

  • 0212_68│Otros ecos – Manuel de J. Jiménez

    0212_68│Otros ecos – Manuel de J. Jiménez

    68│Otros ecos / No. 212
    Imagino en silencio

    Nunca escribiré un poema del 68.
    Aquí sentado, escuchando canciones y grabaciones de aquel momento,
    subo el volumen de mi computadora e imagino
    cómo giran los discos en las habitaciones.
    Voces con otra sintaxis: amores ardiendo en la noche latinoamericana.
    Aquí sentado, al lado de mi esposa, tomo una cerveza
    y pienso que en aquel momento este departamento
    estaba límpido como el poema de Paz.
    Este mismo edificio Valladolid, recién construido.
    Hay rótulos de la Olimpiada por todos lados.
    Estamos a unos pasos de Periférico, no tan lejos del Estadio,
    dicen los reporteros. Viven en mi casa
    y, mientras cubren los eventos deportivos, advierten
    una parvada brumosa cruzando las multitudes,
    silenciosa y discreta.
    Toman la máquina y teclean o, por lo menos, se observan
    a ellos mismos tecleando
    en el escritorio
    un artículo diferente
    que no trata sobre el salto impresionante de Beamon
    y su récord mundial.
    Soy como ese reportero que se imagina escribiendo
    y no toca una tecla.
    ¿Versos sobre las luces de bengala,
    palabras y más palabras?
    Regreso a mi casa manejando por Av. Delfín Madrigal,
    mi suegro es el copiloto; pronto se perfora un archivo memorable.
    Hay un nudo y pausas. Mudo, imagino a los estudiantes boteando
    en una colonia proletaria: saborean los rollos fritos de un restaurante chino.
    La compañera sostiene el bote que nunca debe abrirse. Cruza los brazos.
    Rascan sus bolsillos y siguen el rumbo en silencio,
    con el hambre y esa felicidad agradecida de ser jóvenes
    y estar juntos.

    Mitin relámpago: alguien sube al camión y dice; otro reparte folletos.
    Un mimeógrafo: volantes; una impresora láser.
    Mis alumnas discuten si la Facultad de Derecho se va a paro.
    Una de ellas reflexiona sobre la violencia,
    las conmemoraciones y el rector Graue.
    Tiemblan las formas en el edificio
    y publico pequeños informes en Facebook,
    sentado en mi escritorio inventariado de profesor universitario.
    Mudo, veo a los estudiantes votando. Hay un nudo y pausas.
    Joel Sebastián Meza es hermano de mi amigo Aurelio, no lo sabía.
    Escribe una carta sobre lo que sucedió con todos nosotros:
    amoroso para “Sebas”, desconoce a “Joe”, el mediático.
    En la tarde llueve,
    llueve
    todavía sangre en el país.
    “Es ominoso que eso siga sucediendo a 50 años del 68”,
    dice La Nacha el pasado 6 de septiembre
    y los estudiantes desenvuelven sus oídos de flor.
    Aquí sentado, escuchando
    canciones y grabaciones de aquel momento,
    subo el volumen de mi computadora
    e imagino
    cómo reviran las voces
    y se confunden.


    Manuel de J. Jiménez (Ciudad de México, 1986). Poeta y ensayista. Consejero Editorial del Proyecto Literal. Fue director de la revista Trifulca, miembro de la Red de los Poetas Salvajes y becario del FONCA en la disciplina de poesía. Entre sus más recientes trabajos está la compilación Constitución Poética de los Estados Unidos Mexicanos (Literal/AEMAC/Secretaría de Cultura CDMX, 2017) y El otro informe. Palabra poética del 68 mexicano (AEMAC/Secretaría de Cultura CDMX, 2018).

  • 0212_Del Árbol Genealógico – Miguel-Manso

    0212_Del Árbol Genealógico – Miguel-Manso

    Del Árbol Genealógico / No. 212

    Santarém, 1979

    Traducción de Cristina Díaz

    I. Video Art

    planos soltos para Velvet Underground

    A poesia, tipo,
    não precisa de, bom,
    não é exactamente uma canção, uma praça ou um parque no Outono
    indícios, unicórnios, um capitel clássico
    helenicamente erguido sob a librina e o néon

    Costumavas sentar-te sobre os Romanos na Library
    nesse Verão algemámos deus
    ao gradeamento de uma janela em Portland Road
    o ano: 1967 e uns copos a mais

    Uma oração, dizia-se, desliza como pedra solta até
    ao Palladium; na Primavera seguinte estudavas semiótica
    e aprendias a escolher legumes no centro da Babilónia
    com uma amiga pelo braço, atonal, primeiro, depois
    descendo a Avenida A

    Duchamp tornou-se uma súbita porção de silêncio arroxeado
    colado à folhagem: acácia gelada na manhã de um jardim
    pequeno em Nova Iorque

    Drella dizia estar farto de pintura e brincava de
    marinheiro ou bronze etrusco ou rainha barroca
    decapitada, enquanto nós dormíamos cansados de amputar
    as pétalas de Nico, dormíamos sobre

    o sangue de uma figura de Fellini e não sonhávamos com
    o guerreiro moribundo do frontão oriental do Templo de Égina —
    caído e sorrindo — nem com o mercado de Benavente

    Mas a poesia, tipo
    é um dragão em origami, um isqueiro Zippo
    um riff de guitarra uma aventura espaço intermédio
    a soma das partes a sua exclusão

    Deitada sobre a cama, usando um espelho entre as pernas
    desenhaste a cona a lápis, nas costas
    de um menu de restaurante

    Que faço agora com as fotografias, as caixas de sapatos
    os anos sessenta, a romã podre sobre o tampo da mesa, a cidade
    de Damasco?

    Muito antes, suponho, e muito depois
    de consoar a música o poema o receituário sonoplasta
    a Vénus tatuada, o recipiente adequado
    a cidade coroava a ferida como se tudo tivesse
    promovido o eco
    que não termina

    A arte, a ironia? por um triz, quase nada
    e resta-nos qualquer coisa entre a noite e o mar
    um táxi, a garrafa de gin, a morte
    por que não? refazendo tudo a partir daí
    um trabalho imenso

    De Santo Subito, edición de autor, 2010

    I. Video Art

    planos sueltos para Velvet Underground

    La poesía, o sea,
    no necesita, bueno,
    no es exactamente una canción, una plaza o un parque en otoño
    indicios, unicornios, un capitel clásico
    helénicamente erguido bajo la neblina y el neón

    Solías sentarte sobre los Romanos en la Library
    ese verano esposamos a dios
    al enrejado de una ventana en Portland Road
    el año: 1967 y unas copas de más

    Una oración, decían, se desliza como piedra suelta hasta
    el Palladium; la primavera siguiente estudiabas semiótica
    y aprendías a escoger la verdura en el centro de Babilonia
    del brazo de una amiga, atonal, primero, después
    bajando por la Avenida A

    Duchamp se volvió un súbito fragmento de silencio amoratado
    pegado al follaje: acacia helada en la mañana de un jardín
    pequeño en Nueva York

    Drella decía estar harto de pintura y jugaba a ser
    marinero o bronce etrusco o reina barroca
    decapitada, mientras nosotros dormíamos cansados de amputar
    los pétalos de Nico, dormíamos sobre

    la sangre de una figura de Fellini y no soñábamos con
    el guerrero moribundo del frontón oriental del Templo de Egina —
    que cae y sonríe— ni con el mercado de Benavente

    Pero la poesía, o sea,
    es un dragón de origami, un encendedor Zippo
    un riff de guitarra una aventura espacio intermedio
    la suma de las partes su exclusión

    Acostada sobre la cama, usando un espejo entre las piernas
    dibujaste el coño a lápiz, al reverso
    de un menú de restaurante

    ¿Qué hago ahora con las fotografías, las cajas de zapatos
    los años sesenta, la granada podrida sobre la mesa, la ciudad
    de Damasco?

    Mucho antes, supongo, y mucho después
    de consonar la música el poema el recetario del sonido
    la Venus tatuada, el recipiente adecuado
    la ciudad coronaba la herida como si todo hubiera
    promovido el eco
    que no termina

    ¿El arte, la ironía? por un pelo, casi nada
    y nos queda algo entre la noche y el mar
    un taxi, la botella de gin, la muerte
    ¿por qué no? rehacer todo a partir de ahí
    un trabajo enorme


    Miguel-Manso. Sus primeros libros son Contra a manhã burra (edición de autor, 2008) y Quando escreve descalça-se (Trama Livraria, 2008). Santo Subito (edición de autor, 2010) pertenece, como los anteriores, a la colección Os Carimbos de Gent, a la cual agregó dos títulos más: Ensinar o caminho ao diabo y Um lugar a menos (ediciones de autor, 2012). También es autor de Aqui podia viver gente (Primeiro Passo, 2012, ilustraciones de Bárbara Assis Pacheco), Tojo. Poemas escolhidos (Relógio D’Água, 2013), Supremo16/70 (Artefacto, 2013) y Persianas (Tinta da China, 2015). Ha colaborado con la compañía de teatro Cão Solteiro, y produjo y dirigió con João Manso la película Bibliografia (2013).